sábado, 18 de abril de 2009

Sentença - EXECRADORES

"Sólida ou etérea, que realidade pode ser mais diversa do que essa, sustentada pela grade?
Barras de ferro, materiais, palpáveis, delimitadoras, depressoras e repressoras, são elas o testemunho concreto de uma sentença muda, ditada muito antes do crime ser cometido.
A realidade agônica de tod@s que apodrecem em jaulas e cultivam as sementes do ódio com o adubo do isolamento é o desdobramento de uma outra agonia, esta daqui do lado de fora. A mão da desigualdade esculpiu um monstro cego, deu-lhe uma espada e uma balança viciada; depois colocou-o prostrado qual estátua nas fachadas das instituições encarregadas da manutençã
o dos privilégio dos tão privilegiados, e lá ele adultera pesos e medidas com a mão esquerda e decepa com a direita a vida daquel@s que explodiram sob a pressão humilhante da exclusão, da indigência física e moral, daquel@s que não puderam suportar a eterna bota pisando o rosto da humanidade e desejaram na cara de outr@s vitimad@s pelo sadismo do poder a gaiola de ratos famintos lhe ameaçando os olhos.
O cotidiano violento dessa sociedade onde pululam @s miseráveis nos cerca e enche de medo... vemos jovens todos os dias sucumbirem à inevitabilidade desesperadora de suas condições e gastarem as próprias vidas tentando escapar ao poder esmagador da exclusão através do
poder esmagados do tráfico e do crime; transformando-se em agentes de repressão de seus iguais, de outr@s oprimid@s, pois a elite que @s vitima está à salvo pelas grades dos condomínios onde vivem, pela polícia que pagam e controlam, pela (in)justiça que pagam e controlam, pelas grades da prisão, para onde mandam @s incômod@s criminos@s que criaram com seus abusos.
A realidade tão mais complexa que esse esboço pretensioso apresentado até aqui nos motivou a desenvolver o projeto desse ep, que discute a questão do sistema carcer
ário, a realidade das prisões brasileiras e no qual expressamos nossas opiniões, apontando o Estado e o Capitalismo como criadores dessa desgraça toda, apontando @s enterrad@s-viv@s das prisões enquanto vítimas e afirmando que tod@s nós estamos encarcerad@s no establishment e somos portanto dentro ou fora das prisões pres@s polític@s.
Nos concentramos na Casa de Detenção de São Paulo, o Carandiru, e no massacre promovido pela polícia assassina militar com o aval do poder executivo do estado há dez anos pois cremos que tal mostra do Poder de como nossas vidas são descartáveis não deve cair no esquecimento; encaramos esse trabalho como um grito de indignação e como uma forma de afirmar nosso ódio ao Estado e nossa certeza e que cada condenação proferida pelos juízes é um erro, uma atrocidade, uma execução.
Aprendemos muito sobre esse assunto pesquisando-o e discutindo-o e esse 111? é o excremento de tudo quanto digerimos... o projeto se tornava maior a cada li
vro que líamos e tivemos de limitar-nos, caso contrário o ep se transformaria em algo muito grande, e jamais o terminaríamos.
Desejamos que o material motive a discussão e o questionamento de muita gente, que o que aqui está registrado seja ampliado pela contribuição de cada um e pelo diálogo que ele pode gerar. No mais, que as canções lhe penetrem os ouvidos e mexam com seus instintos."
Paulo, Josimas e Zorel.



Sentença


BAIXE AQUI



(Do CD "111?")

Resignado para a culpa,
oferecido ao inferno dos nervos.
Neste terreno pútrido de sórdidos castigos,
te encerram para a morte,
te fecham o ar,
te esfriam os desejos
e te sugam o corpo...
te sugam o corpo já dormente
te sugam o corpo já dormente
te sugam o corpo já dormente!

Tapeçaria de carniça! Caverna de dor!
Lodo que estupra a criança e fabrica a forca.
Estrangulamento silencioso e contínuo.
Arde o metal refletindo um sol insuportável.

É perigoso dormir aqui! (4x)

A caixa gelada do prisioneiro

---------
Por Daka
(para Marcelo Anceschi)





Não existe esperança de qualquer tipo, apenas a luta pela sobrevivência, a luta para tornar o tempo ali o menos torturante possível, a luta para se manter vivo até o vencimento da pena, ou alguns dias, meses após isso! Os dias, meses, anos, se passam com a agonia dos piores dias imagináveis de toda uma vida.
Dentro deste presídio, construído ba década de 20 e projetado pelo arquiteto Ramos de Azevedo, com capacidade máxima para 4.102 presos, mas com lotação que já chegou aos 9.000 presos e com uma população sempre em torno de 8.000, criou-se uma forma de vida, valores totalmente diferentes dos socialmente impostos a nós. Destilação de cachaça feita clandestinamente com cascas de frutas, cigarro como dinheiro, podendo valer a vida de um recém chegado a uma cela em que já não cabe mais ninguém e onde a única opção seria a sua morte. Sim, se você chagasse ao Carandiru e não coubesse na cela, a sua morte seria certa, a não ser que algo pudesse comprar uma vaga dentro da cela normalmente com 30 ou 35 pessoas em um espaço designado para 6 e, normalmente com 30 ou 35 pessoas em um espaço designado para 6 e, é claro, uma outra pessoa seria escolhida para morrer e "ceder" o espaço para você. Desumano?? Sobreviva lá e veja o que é desumano!
Celas compradas com cigarros, favores, provas de coragem e depois reformadas com azulejos até o teto, aparelhos de tv, cortinas onde moram apenas uma ou duas pessoas destoam das mais comuns, sem pintura, com um banheiro fétido para todos e com lotação máxima; aliás, como dito antes, o máximo ali é realmente levado a sério, o máximo que couber! As celas mais ajeitadas acabam servindo de local para encontras íntimo para presidiários que estão em celas mais lotadas, e por isso elas são alugadas por um tempo determinado sempre com o total respeito à companheira que vem em dia de visita. Este é o dia mais esperado durante a pena, o presídio sempre fica limpo e nunca há qualquer tipo de briga neste dia. Para os infratores desta regra, a pena pode ser a morte! E, as regras são levadas com o máximo de disciplina. Respeito à hierarquia (mais velhos de cela, de presídio, respeito adquirido por mérito), respeito total às mulheres, filh@s, amantes, respeito às pessoas que organizam e geram benefícios ao Carandiru e mais algumas regras são levadas muito a sério!
As doenças são inevitáveis: tuberculose e doenças venéreas são as mais comuns, além de doenças de pele. As pessoas acometidas de problemas de saúde se aproveitam da ida à enfermaria para conseguir remédios que possam funcionar como alucinógenos, ou que tenham algum valor na troca por algum favor. Isso faz parte do tráfico existente e que inclui um pouco de drogas ilegais, normalmente maconha e alguma coisa de crack, e inclui também café, pinga, papel higiênico...
Para a manutenção e cumprimento de todas estas regras, e para resolver os problemas entre presos, existia a "faxina", um grupo de presos escolhidos pelos outros presos de cada pavilhão e que servia para resolver problemas para os presos, um tipo de porta-voz entre os presos e o diretor, entre presos de diferentes pavilhões, ou até mesmo entre presos de andares ou celas diferentes. Além disso, a limpeza, a organização e distribuição das refeições, compras... isto também era papel dos faxinas. Muitas penas já cumpridas eram levadas até o conhecimento do diretor do presídio pelos faxinas, problemas entre presos, transferências... isso tudo e mais um pouco. Quando as coisas esquentavam entre algumas pessoas e era necessário tentar resolver isso, os faxinas eram os "mediadores" para que não houvesse um encontro antes do necessário, que viesse a causar problemas desnecessários. Quando não havia resolução dessas formas "convencionais", a faxina saía de cena e entrava a "rua 10", um lugar chamado "rua 10", entre corredores, o que impossibilitava a visão de guardas e que servia como ponto para "resolver" os problemas surgidos na caótica convivência do cárcere... em alguns casos, a solução era a morte!
Falando sobre a morte como forma de punição ou "solução" para os problemas, temos a impressão de que a morte era o caminho mais comum para se resolver tudo dentro do presídio, mas convém dizer que esta pena não era o meio mais utilizado para punir os "culpados"; lançava-se mão desse recurso apenas em último caso, pois com alguma morte dentro do presídio, a policia entrava, fazia revistas, revirava coisas e normalmente achava pertences "ilegais", aproveitando para ainda desferir algumas bordoadas nos detentos.
A caótica convivência forçada nas condições degradantes do cárcere gerava, fatalmente, brigas, e uma destas brigas, no dia 02 de outubro de 1992, resultou no maior massacre carcerário mundial. Uma briga entre duas pessoas acabou por gerar o envolvimento de mais pessoas, uma briga considerada comum no presídio, sem reféns e na qual apenas os funcionários do presídio foram expulsos do ambiente para que não houvesse problemas inesperados ou repressão. A briga foi relatada ao secretário de segurança pública, e este ordenou a ida da tropa do comando de policiamento de choque, 1o. 2o. e 3o. batalhões, entre eles, a ROTA (Ronda ostensiva Tobias Aguiar, conhecida como uma das polícias mais violentas do mundo, senão a mais violenta), sob comando do Coronel Ubiratan Guimarães, com o apoio do então governador do Estado de São Paulo, Antonio Fleury Filho. Todos os batalhões já estavam a postos 30 minutos após o início da briga, e uma hora depois disto foi dada a ordem de invasão, sendo impedidas todas as tentativas de negociação civil, que deveriam ser feitas pelo diretor da casa de detenção, juízes e comissões de grupos de direitos humanos... Mas nada foi feito para impedir a invasão; tudo o que poderia ser feito para resolver a briga de forma pacífica foi impedido pelo próprio comandante da polícia militar. A intenção era a invasão e o massacre que se seguiram, de qualquer forma.
As tropas invadiram o pavilhão 9, local da briga e onde se abrigavam, na maioria, pessoas com pequenas penas, pessoas que aguardavam novo julgamento, pessoas com penas já cumpridas, aguardando a morosidade da lei, pessoas com pequenos delitos e bom comportamento. Os militares entraram no presídio sem a mínima noção da localização dos presos, das escadas, das celas, apenas entraram, já com o dedo no gatilho, e não perderam tempo: ao avistar os primeiros presos já desferiram os primeiros tiros. Os outros presos, ao ouvir os disparos, correram para suas celas, outros jogaram óleo nas escadarias para retardar a subida dos militares e assim ganhar mais tempo para entrarem nas celas. Pensavam que o fato de estarem nas celas faria com que a polícia, como de costume, apenas fizesse a rotineira revista... mero engano. A polícia atirava em tudo que se movesse, os que ainda estavam do lado de fora das celas, foram os primeiros a serem alvejados, seguidos dos que estavam já dentro das celas, sem qualquer tipo de distinção. Para se ter uma idéia, as celas são quadrados, fechados com uma porta maciça, na qual há uma portinhola para a vistoria dos presos, mas que neste dia serviram para que os canos de metralhadoras, revólveres, espingardas entrassem e cuspissem dezenas de balas para todos os lados, rajadas! Mataram pessoas de todas as formas, a maioria foi executada com tiros na cabeça e tórax... Só pararam de atirar aleatoriamente, a esmo, duas horas depois da invasão. Em seguida, os policiais começaram a dar ordem para os sobreviventes tirarem as roupas e desceram para o pátio, para contagem, e nesse processo mais algumas pessoas foram mortas por demorarem em tirar a roupa ou andar devagar até o pátio. Os sobreviventes, já nus, foram encarregados de ir, cela a cela, retirar os corpos e levá-los ao pátio. Os que carregavam os corpos eram também assassinados ao terminar de esvaziar alguma cela; os que ficavam encarregados de fazer a limpeza grossa também foram assassinados; alguns se salvaram se escondendo debaixo de corpos; outros, ainda fazendo a limpeza ou carregando corpos, eram atacados por cães da polícia militar, e alguns chegaram a perder partes de seus corpos. Mesmo após todos os corpos terem sido levados para o pátio, o que mostra uma clara intenção de apagar as provas da ação carniceira militar, mais alguns presos foram assassinados, sem qualquer "motivo". Toda ação resultou em um número oficial de 11 mortos.
Nenhum civil pôde entrar no presídio até as 3:30 da madrugada do dia seguinte, e muitos carros de lixo começaram a entrar e sair do presídio nesta madrugada, algo completamente anormal. Somente na manhã seguinte foi comunicado à imprensa o número de mortos. Quando o presídio foi aberto às autoridades civis, mesmo depois de informado o número de mortos, ainda foram achados corpos como se estivessem acuados e com tiros na cabeça e nas costas.
Levando em consideração o número oficial de mortos, verificou-se que apenas dois detentos levaram apenas 1tiro; a maioria levou 5 tiros, chegando a haver pessoas com 13 tiros e um com 16 tiros pelo corpo. num total de 515 projeteis retirados dos 111 corpos, 339 foram em partes posteriores ao corpo. Algumas celas contavam com mais de 50 marcas de bala pelas paredes...
Oficialmente, 111 foram mortos, mas depoimentos de sobreviventes afirma ter havido mais de 200 vítimas. Os corpos 'excedentes" saíram dentro de sacos de lixo e outros simplesmente desapareceram. Em quem acreditar??
a intenção de forjar provas contra os presos foi nítida: muitas armas de fogo foram plantadas no presídio, os corpos foram todos removidos, celas e pátios forma limpos... Por que tudo isso??
Até o momento, somente o Coronel Ubiratan Guimarães foi julgado e condenado a 632 anos de prisão, mas está em liberdade, aguardando novo julgamento. Outros policiais foram colocados na reserva militar e outros foram promovidos... nenhuma pessoa foi condenada ou responsabilizada até agora.
No dia 02 de outubro de 1992, o Carandiru viveu o seu pior dia, mas será que ali, naquele lugar, existiu algum dia que pudesse ser chamado de melhor??

[Execradores, 111?, 2002.]

Em 15/02/2006 o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo anulou a sentença que condenou o coronel Ubiratan Guimarães a 632 anos de prisão pelo massacre do Carandiru. Em 10/09/2006 ele foi encontrado morto, em seu apartamento, com um tiro no peito, coberto apenas por uma toalha.
Segue abaixo o documentário "O Prisioneiro da Grade de Ferro (auto-retratos)" (2003, 123 min, Dir. Paulo Sacramento), que mostra um pouco do cotidiano no Carandiru.


Nenhum comentário:


VEJA O MUNDO COMO ELE É... SINTA A VIDA COMO GOSTARIA QUE ELA FOSSE!
( A ) // ( E )