quarta-feira, 8 de abril de 2009

Abu-Jamal - ESCATO

ESCATO foi uma das melhores bandas crust/anarcopunk destas terras. Durou dez anos (1996-2006), nos quais gravaram alguns materiais e tocaram em vários eventos, fortalecendo a rede alternativa/DIY/punk/libertária com consciência política e bastante companheirismo. Alguns de seus integrantes estiveram envolvidos em diferentes projetos políticos/culturais, como por exemplo o Espaço Insurgente, que funcionou de 2004 à 2006 (transformando-se depois na Casa MUV, que teve que encerrar suas atividades faz poucos anos). Permanecem envolvidos em outras bandas, como RANCOR, BOCAS NEGRAS (R.I.P.), LUMPEN e EXPURGADO.
"Vivíamos em Salvador / Bahia / Brasil, em 1996 resolvemos nos junta
r para fazer um som com as influências que tínhamos (e temos até hoje): basicamente nossa motivação sonora vem do que chamam de crust. Em 1997 gravamos nossa primeira demo que naquele momento não foi muito divulgada. A partir daí temos participado de algumas coletaneas, a última um 4-way (Escato/Execradores/Vala Negra/Pichi Cuervos). Os anos passam e a cada dia nos vemos mais envolvidos em tudo a que se refere ao punk, estamos em constante transformação e carregando sempre o mesmo espírito de construção positiva daquilo que assumimos para nossas vidas. A Escato tem sido um aprendizado, uma ferramenta : as novas amizades que construímos e toda a energia que extravasamos nos retorna em força para continuar sobrevivendo.... e aprendendo. Somos seres humanos: erramos, acertamos, caímos, nos levantamos e assim vamos levando! Saudações!!".

Abu-Jamal

BAIXE AQUI


(Do 4-Way Split CD com Execradores, Vala Negra e Pichi Cuervos)


Era madrugada na Filadélfia
Uma cena de violência racial se repetia
Um negro sendo espancado por policiais
Se aproximando, viu que seu irmão era a vítima

É fácil de ver com sua TV preto e branco
Homem negro, policial azul, sangue vermelho
Irmaõs/as vendo outr@s morrerem
Esse é o jeito americano

Abu-jamal tentou ajudá-lo
Um tiro disparado, uma pessoa foge
Um policial atingido
Um outro tiro, Mumia ferido no chão
A partir daí, provas forjadas e uma sentença de morte
Mais um inocente no corredor da morte...

"A arbitrariedade e a violência dos governos chega a tal ponto que eles passam a decidir pela sua vida, até mesmo pelo fim programado de sua vida. Esse é o caso da pena de morte. em alguns lugares ela é institucional e utiliza-se dos meios "legais"para eliminar da maneira mais cruel possível, como um espetáculo, aquel@s que são um incômodo para o bom e regular andamento da sociedade. Abu-Jamal é um prisioneiro político e foi condenado á morte por ousar lutar por uma nova vida, por uma vida para a comunidade negra e pobre em geral. E assim como Abu-Jamal existem tant@s outr@s, também muito importantes. Tratam-se de vidas que esperam com a mais extrema angústia o seu fim. No corredor da morte ou em qualquer esquina..." ESCATO


PREFÁCIO

Não me fale sobre o Vale da Sombra da Morte. Eu vivo nele. Na região centro-sul da Pensilvânia, no Condado de Huntingdon, ergue-se um presídio centenário; suas torres góticas projetam um ambiente atemorizante, evocando o ar sombrio da Idade das Trevas. Eu e outros 78 homens permanecemos em celas de dois metros por três (1) durante 22 horas por dia. As duas horas remanescentes podem ser passadas ao ar livre, numa jaula de correntes entrelaçadas, cercada por arame farpado, sob vigilância de torres armadas.
Bem-vindos ao corredor da morte da Pensilvânia.
Estou estupefato. Há alguns anos, o Supremo tribunal da Pensilvânia me declarou culpado e me sentenciou à morte com o voto de quatro juízes (três não participaram). Como jornalista negro, que na adolescência foi um Pantera Negra, estudei muito a longa história dos linchamentos legais de african@s nos Estados Unidos. Lembro-me de uma matéria de primeira página do jornal dos Black Panther trazendo uma citação atribuída a Roger Taney, presidente do Supremo Tribunal dos estados Unidos, no vergonhoso caso Dred Scott (2): "Um homem negro não tem nenhum direito que um homem branco seja obrigado a respeitar". Naquele caso, o mais alto escalão do Tribunal dos Estados Unidos sustentou a tese de que a nenhum/a african@ ou a suas/seus descendentes "livres" estão garantidos os direitos previstos na Constituição. Profundo, né? É verdade.
Talvez eu seja ingênuo, talvez apenas estúpido, mas eu pensava que, no meu caso, a lei seria seguida e a sentença revertida. Sinceramente.
Mesmo diante do massacre brutal dos membros do movimento negro MOVE (3), de 13 de maio de 1985, na Filadélfia, que ensejou a armação montada contra Ramona Africa; mesmo diante de Eleanos Bumpurs, Michael Stewart, Clement Lloyd, Allan Blanchard e inúmeras outras chacinas de negr@s - de Nova York a Miami - perpetradas impunemente pela polícia; ainda assim minha fé se mantinha. Mesmo diante daquela implacável onda de terror estatal contra @s negr@s eu pensei que minhas apelações seriam bem-sucedidas. Ainda acalentava alguma crença na lei dos Estados Unidos e tive um choque ao me dar conta que minha apelação havia sido negada. Intelectualmente, eu podia compreender que os tribunais americanos fossem repletos de sentimentos racistas e historicamente hostis aos/às defensor@s da causa negra, mas é difícil se livrar da propaganda incutida por toda uma vida sobre a "justiça" americana.
Preciso olhar para essa nação onde, em dezembro de 1994, os negros eram cerca de 40% dos homens no corredor da morte (4), ou ainda para a Pensilvânia onde, na mesma época, 111 dos 184 homens no corredor da morte (mais de 60%) eram negros; preciso olhar para enxergar a verdade, uma verdade escondida sob as negras becas dos juízes (5) e as promessas de igualdade de direitos. @s negr@s constituem apenas 9% da população da Pensilvânia e apenas 11% da população dos Estados Unidos (6).
como eu já disse, é difícil simplesmente se livrar das ilusões incutidas pela propaganda, mas talvez nós possamos fazer isso junt@s. Como? Tente com esta citação que vi num livro de Direito de 1982, de um proeminente advogado da Filadélfia, chamado David Kairys (7): "A lei é apenas a política por outros meios". Essas palavras explicam largamente como os tribunais funcionam, de fato. Hoje como há 138 anos, como no caso Scott. Não tem nada a ver com "a lei" mas com os "outros meios" de "fazer política". e então, não é essa a verdade?
Eu continuo a lutar contra essa condenação e sentença injustas. Talvez possamos abandonar ou romper com alguns dos perigosos mitos que estão arraigados em nós como se fossem uma segunda pele - tal qual o "direito" a um júri justo e imparcial, de pessoas iguais a nós, o "direito" de fazer você mesm@ sua defesa em juízo e também o "direito" a um julgamento justo. Não são direitos, são privilégios de ricos e poderosos. Para @s oprimid@s e pobres são apenas uma fantasia que se dissipa quando se tenta exercer esses direitos na prática como algo real e concreto. Não espere que a mídia informe qualquer coisa a respeito. Ela não pode fazê-lo por causa da relação incestuosa que mantém com o governo e as grandes corporações, às quais ambos - o governo e mídia - servem.
Eu posso.
Ainda que eu tenha de informar daqui, do Vale da Sombra da Morte, eu o farei.
Do corredor da morte, fala Mumia Abu-Jamal.

Dezembro de 1994.

NOTAS:

1. Departamento de Correção de Pessoas da Pensilvânia, do Sistema Correcional Estadual de Sentenciados à Morte, em 20 de dezembro de 1994.
Observação: Em dezembro de 1994, o Departamento de Correção da Pensilvânia começou a transferir os detentos do corredor da morte para o SCI Greene County, uma nova prisão de segurança máxima planejada para alojar a grande maioria dos detentos do corredor da morte da Pensilvânia. Mumia foi transferido para lá em 13 de janeiro de 1995.
2. Dred Scott versus Sanford 19 U.S. (How.) 393, 407, 15 L.Ed 961 (1857).
3. "MOVE", Abreviação do The Movement (O Movimento), organização sediada na Filadélfia durante a década de 70. Caracterizava-se pelo cabelo estilo dreadlock (rastafari), pela adoção do sobrenome Africa e um fiem compromisso com suas crenças. Seus membros seguiam os ensinamentos d
o fundador do MOVE, John Africa" De Twenty Year on a Move.
4. Death Row USA, NAACP Legal Defense and Education Fund, outono de 1994.
5. Pennsylvania Department of Corrections Persons (Departamen
te de Correção de Pessoas da Pensilvânia), do State Correctional System Sentenced to Execution (Sistema Correcional Estadual de Sentenciados à Morte), em 20 de dezembro de 1994.
6. Censo do Perfil Racial e Origem Hispânica, junho de 1991. Bureau of Census (EUA).
7. D. Kairys, Legal Reasoning in Politics of Law, 1982, p.16-17. De Foley, M. A., Critical Legal Studies 91 Dicknson Law Review 467-473, inverno de 1986.




A DESCIDA PARA O INFERNO

O homem sentou com seu braço algemado à grade de aço.
Um rápido olhar permitia compreender grande parte da sua história, uma história de alienação total, inscrita em cada ruga de sua face pálida e rígida. Seu uniforme branco, sem listras, revelava que ele havia estado na assim chamada unidade de observação psiquiátrica da prisão. sua incapacidade ou sua recusa voluntária de manter contato visual com os homens à sua volta sugeria ausência. Seus tremores e seus tiques de mãos e pernas, e outros movimentos, contavam uma história sombria: a do uso continuado ou em fortes doses de potentes drogas psicotrópicas, como Thorazine, Stelazine ou Haldol, cujo efeito colateral é a chamada discinesia tardia, que provoca uma variedade selvagem de tique e tremores. A causa? Drogas potentes, prescritas e prisioneiros de forma indiscriminada, especialmente depois de uma recente decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos que autoriza os oficiais das prisões a drogar livremente os prisioneiros até a insanidade.
O velho prisioneiro com quem eu estava andando olha na direção do homem.
- Olha lá aquele sujeito.
- Já vi, cara.
- Ele tá totalmente zoneado!
- Você tem razão; mas ele num tê nenhuma ajuda aqui.
Essa breve conversa foi deixada de lado sem nenhuma razão aparente para ser lembrada mais tarde.
Um dia depois, durante o almoço, um cheiro indisfarçável de cabelo queimado penetrou bruscamente o bloco.
-Alguém tá queimando o cabelo cara! Tá sentindo o chero?
- Estou mas isso num é cabelo, é um cobertor.
- Cobertor o cacete! É cabelo, cara! Cabelo humano! Fogo!
Big boy gritou até que os outros respondessem:
- Fogo! Fogo!
Por cinco frenéticos minutos nosso apelo ressoou e os guardas, com seu costumeiro tilintar de chaves, correram de cela em cela, de andar em andar, até que o fogo fosse localizado e o líquido branco e espumoso apagasse as chamas.
Momentos depois, um homem nu andava pelo andar, sua fronte queimada como pão torrado, desprendendo um fedor acre, como de um sacrifício infernal. Ele andava devagar, deliberadamente, como se estivesse perdido em pensamentos, como se envolvido num lânguido passeio pela praia, sem objetivo.
Doze horas depois ele foi declarado morto, com mais de 70% de seu corpo atingido por queimaduras.
Ele foi identificado como Robert Barnes, 57 anos, do Condado de Delaware, Pensilvânia. Recentemente transferido da prisão de Graterford para a prisão de Huntingdon, o homem havia avisado aos funcionários que, se ele fosse colocado no "buraco" (sob DC, custódia disciplinar), ele se suicidaria.
Ele foi colocado no "buraco".
Ele se suicidou.
Embora tivesse uma extensa história psiquiátrica e tivesse feito uma recente tentativa de suicídio, ele foi colocado numa estreita cela, vinte e quatro horas por dia. Quando foi encontrado, seu uniforme havia sido totalmente consumido pelo fogo.
Para muitos prisioneiros sentenciados a longas penas na Pensilvânia e com sérios problemas psiquiátricos e mentais, o "buraco" de Huntingdon se tornou uma estação na descida para o inferno.

Dezembro de 1990.

Ambos os trechos foram retirados do livro de Mumia Abu-Jamal "Ao vivo do corredor da morte", da Editora Conrad (2001), sendo o trecho "Prefácio" das páginas 17 à 19 e o "A Descida para o inferno" das páginas 45 e 46.
Mumia recentemente teve seu pedido por um novo julgamento negado pelo supremo tribunal dos EUA.

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